quarta-feira, 27 de julho de 2011

Baseado em fatos irreais.


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Meu celular tocou e já fiquei corada, a idéia de que ele estava me ligando pra avisar que já estava próximo me deixava extremamente apavorava. Sempre odiei encontros às escuras. “Estou parado com o carro próximo ao ponto de ônibus” ele disse. Gaguejei algo como “estou te vendo, vou ‘praí”.

Ele era mais bonito pessoalmente do que nas fotos, mas a timidez dele gritava no sorriso que parecia machucar para conseguir se formar naquele rosto liso. Um cumprimento formal e simples e entramos no carro. A idéia inicial era de beber alguma coisa em um dos bares próximos ao curso, só não sabíamos onde. Andamos alguns minutos pelo bairro tentando encontrar algum lugar. O silêncio do carro só era quebrado pelos movimentos desconfortáveis que eu praticava no assento de couro. Tudo o que eu conseguia pensar no momento era no quanto eu odiava assentos de couro. Ele pediu pra eu escolher, decidi ir ao bar que tinha menos iluminação, assim ele não notaria ao longo da noite a cor vermelha de minhas bochechas.

Chegamos ao bar. Ele entregou as chaves para o manobrista e abriu a minha porta. O bar era amplo, com música ao vivo, iluminado por grandes velas que pareciam estar acesas há meses, bem derretidas, o que fazia delas mais bonitas ainda. Sempre tive uma queda por ambientes com velas, lembravam minha falecia avó, que sempre acendia uma grande vela e rezava para seus santos. Gostava dessa lembrança, mesmo eu sendo agnóstica, as velas e a luz do fogo me abraçavam durante as sessões de preces, só pelo fato de estar com a minha avó. O ateísmo que me fez começar um assunto durante a noite, já que nós dois estávamos incomodados com aquela situação, decidi repartir a lembrança. Conversamos sobre família, religião, futebol, música e sobre o tempo. Este último foi quando todos os outros assuntos já haviam se encerrado. Foi falando sobre o tempo que sorri sozinha ao pensar que eu devia ter feito cartões com tópicos e guardado na bolsa. Tópicos do tipo “O que você acha da expansão do Metrô?”, “Aborto: certo ou errado?”. Quando sorri ao pensar nisso durante um breve silêncio que pareceu durar minutos ele tocou na minha mão. “Seu sorriso é lindo”. Nunca sei retribuir esses tipos de gentileza, sempre acho que a pessoa só está sendo gentil por obrigação e não por realmente pensar aquilo. Quando abri a boca para responder um tímido “obrigada” ele chegou perto tão rápido que nem percebi que era um beijo que estava prestes a acontecer.

Já ouvi algumas pessoas dizendo que gostam do jeito que beijo, mas sempre achei que só uma pessoa no mundo teve o beijo que realmente encaixou com o meu. Para as minhas amigas me referia a ele como “o pecinha de Lego”. Mas o beijo que estava ocorrendo alí encaixou. Pensei que, somando as coisas em comum com aquele beijo, aquilo, a gente, poderia dar certo.

O beijo não deve ter durado mais do que um minuto, mas pra mim tudo andava em câmera lenta ao nosso redor. Por um instante a música se abafou nos meus ouvidos e eu posso jurar que senti o meu coração batendo no compasso do ponteiro de segundos de um velho relógio. Senti-o batendo tão forte, e ao mesmo tempo tão devagar. Não ousei abrir os olhos. Não queria que aquela sensação acabasse.

O beijo foi interrompido pelo vento que passou forte e derrubou o toldo de proteção das janelas. O barulho fez com que nos assustássemos e terminássemos o beijo com um breve estalinho.

“Vamos sair daqui?” ele perguntou, e pensei em não pensar em nada e só sentir. O modo como o meu coração batia me dizia que eu tinha que ficar com ele, o máximo de tempo que pudesse. Não queria que aquela sensação boa acabasse. Respondi que sim, e o tempo entre pagar a conta e estar deitada na cama dele não passaram dos cinco minutos.

Foi tudo tão rápido que nem lembro direito. Não sei se obra da ansiedade ou da Margarita, mas tenho apenas lembranças distintas do que aconteceu nesse meio tempo.

Enquanto eu estava deitada na pequena cama de solteiro sentia seu corpo tremendo em cima do meu, acho que fiquei com inveja, porque quando percebi isso, meu corpo começou a tremer mais que o dele. Não sei se era o frio ou se era o nervosismo. O frio castigava a janela do quarto que, vez ou outra, trombava de frente com a parede.

Quando ele tentou desabotoar minha blusa levei um murro da consciência, que me lembrou que eu o conhecia há apenas três horas. Disse a ele que era melhor não fazermos nada, que era muito cedo.

Homens têm uma concepção bem diferente das mulheres quando o assunto é sexo. Eles acham que não é nada de mais. Mas por experiência própria sei que o sexo muito cedo pode atrapalhar, acaba o romance, a novidade. Sempre achei que o certo pros relacionamentos não é nem beijar no primeiro encontro, que dirá sexo. Não há nada mais gostoso do que se conhecer primeiro, achar os pontos em comum e admirar os pontos diferentes no outro, pra depois dar um beijo. Sabe quando você está tão apaixonado que quer se juntar com uma pessoa num beijo tão forte, pra dois virarem um? Acho uma delícia fantasiar na cabeça como será o beijo daquela pessoa, como será o toque. E quando, depois de um tempo, o beijo acontece, qualquer mínimo movimento é arrebatador, qualquer mínimo toque arrepia.

Levantei da cama como um foguete. Achei um pé do par de meias no corredor e o outro pendurado nas pontas dos meus dedos. Olhei no relógio que marcava mais de quatro horas da manhã. Pensei que minha mãe deveria estar furiosa, no meio desses beijos todos me esqueci de avisá-la que não voltaria tão cedo pra casa.

Ele perguntou se poderia me ver mais uma vez e eu concordei, tentando não transparecer que estava totalmente apaixonada.

Acho estranho como o sentimento funciona. Como o coração age. Às vezes penso que o coração tem um cérebro à parte, com muito mais agilidade pra tomar decisões do que a razão.

Entramos no carro e ele me deixou na porta de casa. Mais vinte minutos de beijos doloridos. Estranho como dói abandonar as coisas, mesmo quando sabemos que tudo pode ser feito de novo em breve. Quando vi uma luz acender dentro de casa, decidi soltar o cinto e descer do carro. Despedi-me com um beijo em seu olho direito, me agarrando na idéia de que minha vida tinha, então, mudado para sempre.